Recentemente, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com relatoria do Ministro Nefi Cordeiro, considerou, unanimemente, que o Print Screen da tela do aplicativo WhatsApp é prova ilícita. A tese foi erigida na seara penal, no AgRg no RHC 133.430/PE. O tema encontra esteio em decisões anteriores do próprio Tribunal, como a lavrada pelo Ministro Felix Fischer em maio de 2020, nos EDcl no AgRg no RHC 116.792/SP.
A nulidade de prova obtida por meio de espelho da tela de WhatsApp baseia-se, principalmente, na barreira de proteção angariada dos direitos fundamentais e demais garantias constitucionais, a saber: direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações.
Nesse sentido, galga-se, paulatinamente, uma evolução dos denominados Direitos digitais, já compreendidos em sua fundamentalidade e com real eficácia no plano fático, visto que os impactos das novas tecnologias criam mudanças céleres na sociedade e nas respostas do Direito.
Também, com fulcro na ADPF 403 e na ADI 5.527 plasma-se, por via jurisprudencial, novos horizontes de compreensão quanto a utilização dos aplicativos de mensagem instantânea, visto que seu uso caracteriza-se como meio efetivo de comunicação, preservado, portanto, pelas garantias fundamentais do Arts. 5º, inc. IX a XII da Constituição Federal de 1988.
Nesse sentido, é extreme a desconsideração pelo argumento que as impossibilidades técnicas de salvaguarda das conversações e da garantia inconteste da veracidade dos prints ou mesmo do próprio diálogo, uma vez o WhatsApp Brasil não detém acesso a dados cadastrais e de conversações dos usuários, sendo o servidor Norte-Americano o responsável pelo mecanismo de criptografia, ou seja, da proteção ponta-a-ponta que resguarda os dados contidos no conteúdo dos perfis.
Assim, uma vez que as limitações técnico-jurídicas esbarram-se nas ponderações principiológicas da Carta Constitucional e das demais matérias infralegais, v. g., a Lei n.º 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), existe, portanto, uma lógica intrínseca e extrínseca que acompanha a validade da desconsideração da prova e de seu imediato desentranhamento dos autos.
Destaque-se, também, que as conversações e dados destes aplicativos de mensagem instantânea não enquadram-se na Lei n.º 9.296/1996 que reza sobre à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.
Assim, das aludidas capturas de WhatsApp é cognição assentada da jurisprudência do STJ que:
[…] a análise de dados contidos em aparelho celular não se confunde com o sigilo telefônico, porquanto diz respeito à comunicação em si, os dados armazenados nos aparelhos celulares decorrentes de envio ou recebimento de dados via mensagens SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens (dentre eles o WhatsApp), ou mesmo por correio eletrônico, dizem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, sendo, portanto, invioláveis, no termos do art. 5º, X, da Constituição Federal, bem como da Lei n. 12.965/2014, que regulamenta os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, somente podendo ser acessados mediante prévia autorização judicial (EDcl no AgRg no RHC 116.792/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 05/05/2020, DJe 25/05/2020).
II – A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça considera ilícita a prova obtida diretamente dos dados constantes de aparelho celular, decorrentes do envio e/ou recebimento de mensagens de texto SMS, conversas por meio de programas ou aplicativos (WhatsApp), mensagens enviadas e/ou recebidas, por meio de correio eletrônico, decorrentes de flagrante, sem prévia autorização judicial (STJ -AgRg no HC 544.099/ES, Rel. Ministro LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/PE), QUINTA TURMA, julgado em 10/03/2020, DJe 16/03/2020).
[…] ao contrário da interceptação telefônica, que tem como objeto a escuta de conversa realizada apenas depois da autorização judicial (ex nunc), o espelhamento via Código QR [WhatsApp Web] viabiliza ao investigador de polícia acesso amplo e irrestrito a toda e qualquer comunicação realizada antes da mencionada autorização, operando efeitos retroativos (ex tunc) (STJ – RHC: 99.735/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/11/2018, DJe 12/12/2018).
Deste modo, sustenta, com vivas luzes, o STJ que riscos de contaminação da prova – teoria dos frutos da árvore envenenada – e a maleabilidade dos recursos técnicos e dos subterfúgios tecnológicos põe os princípios e direitos fundamentais em considerável risco, sendo, pois, pela ponderação menos heterodoxa.
Assim sendo, em virtude dos limites de registro, da tecnologia de encriptação ponta-a-ponta, das funções próprias do aplicativo que impõem, sobremodo, cautela quanto a originalidade do conteúdo que é acessado – v. g., mecanismos de exclusão de mensagens – entendeu o Egrégio Tribunal Superior pela não aplicabilidade, por ora, deste tipo de recurso como meio de prova lícita, primando a sempre acertada cautela e tutela dos direitos e garantias fundamentais na prestação jurisdicional brasileira.
Por Alexandre de Paiva Targino, estagiário do Asba Advogados Associados.