Depois da histórica e benfazeja reunião extraordinária da Diretoria Colegiada da ANVISA no dia 17 de janeiro último, em que foi autorizado o uso emergencial de duas vacinas contra a Covid-19, e iniciado o Plano Nacional de Imunização desde o dia 18, juslaboralistas começaram a defender a demissão por justa causa do(a) empregado(a) que se recusar a tomar a vacina.
A interpretação que defende essa espécie gravíssima de punição nesse momento, a nosso ver, é absolutamente prematura e equivocada. E deste modo se afirma com base no julgamento do Supremo Tribunal Federal na apreciação das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 6586 e 6587), em dezembro último.
Contrariamente do que sustentado por alguns, o STF não determina que a vacinação seja compulsória. Ora, a decisão do STF foi no sentido de atribuir aos Estados e Municípios o poder de decretar a imunização obrigatória, prevendo sanções em lei aos que se recusarem, por consonância com a Lei nº 13.979/2020.
Apenas foi pontuado pelo STF que o Estado pode impor àqueles que recusem a vacinação as medidas restritivas previstas em lei (multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escola), não podendo fazer a imunização à força.
O próprio voto do Relator Ministro Ricardo Lewandovski, na ADI 6.586, bem esclarece que “a obrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consentimento informado das pessoas.”
Por óbvio, a previsão de vacinação obrigatória não significou a imposição de vacinação forçada, por pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas.
Até então não se conhece leis estaduais ou municipais decretando a imunização compulsória. Ainda não há dever jurídico legal e obrigacional ao empregado de se submeter à vacinação compulsória, como ocorre, por exemplo, quanto ao uso obrigatório da máscara, previsto tanto em leis municipais como estaduais. No caso da máscara, pode ser reconhecido o seu uso como um equipamento de proteção. A recusa de usar equipamento de proteção (EPI´s) enseja punições gradativas que vão da advertência à demissão por justa causa. No respeitante à vacina, não pode ser configurada como “equipamento de proteção”, pois nem mesmo existe vacina suficiente para toda a população.
Seria necessário, para a aplicação de punição mais gravosa a(o) trabalhador(a) que se recusasse, que as vacinas estivessem disponíveis a todos, em domínio público. Não se desconhece a previsão do artigo 157 da CLT, no qual o empregador tem o dever de zelar pela saúde e segurança no ambiente de trabalho. Mas, o empregado recusar a vacina agora seria contribuir para o risco ocupacional da maioria? Qual é a eficácia de uma proteção parcial, se a vacinação no momento está dirigida apenas a alguns grupos bem específicos? Há ainda que se ponderar as condições peculiares do vacinando, de sujeição a risco pessoal, como por exemplo, a contraindicação às grávidas e alérgicos.
Por outro lado, é de ser destacado que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) adotou o sistema taxativo ao tipificar o comportamento funcional que possa gerar a justa causa demissional. O rol do artigo 482 descreve condutas típicas, sendo uma exegese forçada a caracterização como justa causa a mera recusa a vacinar-se, principalmente quando ainda não existem leis municipais ou estaduais prevendo a obrigatoriedade da vacinação. A demissão por essa ótica, nesse particular momento, seria desproporcional e açodada.
Francisco Marcos de Araújo
Advogado e Sócio do escritório ASBA Advogados Associados.