O que ficou conhecido como “Revolução Digital ”, mudou a realidade da informação, educação, lazer, convivência social e até do exercício profissional, tendo em vista os processos referentes à transformação da mecânica e analógica para a eletrônica digital. Seguindo essa tendência, o mundo jurídico também recebeu o impacto das inovações tecnológicas.
Por imposição de princípios como celeridade, efetividade e duração razoável do processo, a Associação dos Juízes Federais – AJUFE, apresentou à Câmara dos Deputados, em 2006, um projeto de Lei criando a informatização do processo judicial, sendo a proposta aprimorada e convertida na Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 2006.
A partir daí, diversos outros textos normativos foram criados para instituir o meio digital como única forma de acesso à justiça, gerando, em contrapartida, dificuldades aos seus usuários, por falta de tecnologias assistivas, aplicativos acessíveis, interação técnica, desconhecimento, ausência de suporte estatal, condições econômicas de custeio de internet etc.
Se ao profissional advogado dotado de todas as aptidões físicas e intelectuais o acesso a essas plataformas virtuais são de elevado grau de dificuldade, que dirá ao advogado deficiente, que para além de suas restrições, ainda há que se considerar a inacessibilidade de quase todos os sistemas de software colocados à disposição pelos órgãos judiciais e administrativos.
No Brasil são inúmeros advogados com deficiência prejudicados pela omissão do Estado quanto ao cumprimento dos termos da Resolução nº 230, de 22/06/2016, do Conselho Nacional de Justiça, que determinou a adequação das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços auxiliares às determinações exaradas pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e pela Lei de Inclusão.
Do mesmo modo, são ignoradas as deliberações do Conselho Pleno da Ordem dos Advogados do Brasil, que em 20 de setembro de 2017 aprovou as diretrizes do Plano Nacional de Valorização dos Advogados com Deficiência, com o objetivo principal de fortalecimento dos Direitos Humanos. Dentre as diretrizes, está no inciso VI a promoção de políticas inclusivas que apoiem a advogada e o advogado com deficiência no exercício da profissão, o que efetivamente não ocorre.
Três pilastras constitucionais amparam o advogado deficiente a demandar a proteção estatal integral: i) a condição funcional, por ser o advogado essencial à administração da Justiça (Art. 133 da CF/88); ii) a condição profissional, por ser o trabalho e o seu valor social elevado a um dos princípios fundamentais da República (Art. 1º, inciso IV); e, iii) a condição física, dada a sua deficiência, a proteção integral resguardada pelos artigos 24, inciso XIV; 203, inciso IV; 227, §1º, inciso II, todos da Constituição Federal, que atribuem ao Estado o dever de proteger o deficiente e promover a sua integração à vida comunitária.
Percebe-se que, ao arrepio de todo esse aparato constitucional, e por mais que existam leis, resoluções, normas e orientações para a inclusão do advogado com deficiência em todos os âmbitos, a autonomia e dignidade no trabalho desses profissionais restaram absurdamente comprometidas após a criação dos ambientes virtuais para o universo jurídico, o que acabou por ser ainda mais agravado, considerando o cenário da pandemia da COVID-19, que compulsoriamente transformou o trabalho dos advogados e advogadas em um exercício virtual despido das garantias da acessibilidade aos deficientes.
Por Lorna Beatriz Negreiros De Araújo, advogada associada do Asba Advogados Associados