Foi reconhecida a Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de decretação judicial da “quebra de sigilo de dados telemáticos de um conjunto não identificado de pessoas”.
O tema (nº 1.148) entrou em pauta com o caso de Marielle Franco, após recurso do Google contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que concedeu a quebra de sigilo de pessoas que pesquisaram sobre a vereadora antes do atentado em 2018.
O Google, em sua defesa, argumentou pela inconstitucionalidade de varreduras generalizadas no histórico de pesquisa dos usuários, pois violaria o Direito à Privacidade das pessoas que não tem relação alguma com o crime. Lembrou, ainda, da proteção dada pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) que, em seu art. 5º, inciso XII, limita o tratamento de dados ao consentimento de seu titular.
Essa temática traz reflexões importantes no que se refere à privacidade, em um momento da sociedade que preocupações estão começando a surgir quanto à exposição dos usuários, os dados coletados pelas empresas e a possibilidade de controle da população através do uso direcionado de informações.
Com a ideia do panóptico pós-moderno, em que a autoexposição é premiada, ao passo que o anonimato é tratado como punição, a coleta de dados se tornou um fator chave para entender o funcionamento da “sociedade da informação”, termo trazido por Manuel Castells, para definir o cruzamento da tecnologia com a sociedade, e seus reflexos na dinâmica social.
Tendo isso em mente, sabemos que “dados” hoje é sinônimo de poder e possibilidade de controle e, portanto, merecem proteção. Assim, questiona-se: quais os limites da proteção à privacidade quando nos deparamos com uma situação de segurança pública?
Já nos deparamos em outras situações onde a privacidade foi limitada em prol da segurança. Isso acontece, por exemplo, em aeroportos, quando a condicionante para entrarmos no avião, é que passem o Raio-X em todos os nossos pertences pessoais. Outro exemplo é a quebra de sigilo bancário, que pode ser determinada até por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), desde que cumpridos os requisitos legais.
O que diferencia então a quebra de sigilo bancário para o caso das investigações de Marielle Franco? A questão chave está na individualização e especificidade do objeto investigado, até porque o objetivo dessa investigação é a identificação do usuário.
Ao definir a pesquisa sobre “um grupo não identificado de pessoas” é inegável a abrangência e o potencial multiplicador dessa medida aos cidadãos. Por ser uma ação de extrema gravidade, deve-se observar se tal medida atende a requisitos como indícios razoáveis de autoria e da sua imprescindibilidade.
Será necessária, ainda, ponderação diante da complexidade do caso tratado, para que direitos fundamentais não sejam desproporcionalmente violados. Caso deferida, também será necessário atentar-se aos limites de tal medida, para evitar o seu uso indiscriminado nas diversas investigações criminais de grande relevância nacional, atuais e futuras.
Por Ana Clara Bezerra de Góis Saldanha, estagiária do Asba Advogados Associados.